Relato de Experiência – Cooperação Internacional
O ofício de tecer os fios das memórias constituindo narrativas sobre fatos pretéritos, nos desafiam a encontros com emoções, batalhas, lutas já travadas, no exercício fértil de recordar, por meio das palavras, aquilo que nos construiu como seres humanos, aprendentes, o tempo inteiro. Logo, nas linhas e entrelinhas deste breve relato, buscarei estampar os retalhos, tramas do nosso processo autoformativo, quando da nossa participação como doutoranda e docente da Universidade do Estado da Bahia, UNEB, como instituição que busca além do ensino, pesquisa, extensão, a internacionalização.
Sendo assim, tecido a tecido fui costurando com as linhas da emoção, as informações recordadas, vividas, experiências edificadas com esforço, coragem e muito empenho, nos atravessamentos e batalhas que tive que vencer, uma a uma, pois como já dizia o poeta Carlos Drummond de Andrade: “no meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho.” Sim, existiam pedras no nosso caminho, mas com ajuda dos parceiros, dos amigos, das instituições, fomos coletando cada uma destas pedras e com elas, como Cora Coralina já cantou: “recolhi todas elas e fiz meu castelo.
E assim, pedra a pedra, foi esculpindo minha jornada, que se fez minha e de todos nós, pois fomos sempre juntos, caminhando e construindo nossa jornada enquanto caminhávamos. A palavra que simboliza a caminhada é luta! E foram dias de muitas lutas que nos motivaram a buscar novos caminhos formativos, que me levaram ao além-fronteiras geofísicas do Brasil.
A minha aproximação com pesquisadores e instituições internacionais, na área de Saúde Coletiva, iniciou-se em 2016, durante o processo de Estudo de Doutorado, realizado na Universidade de São Paulo, sob orientação do Dr. Victor Wünsch Filho, que ocorreu pelo contato com o professor Dr. Joseph L. Wiemels, professor de Medicina na Universidade do Sul da Califórnia, para discussão e percurso de qualificação da tese de doutorado, a qual apresentou um tema inédito, no período para o Brasil. Por esta razão, fui encontrar com o professor Joseph L. Wiemels, em Lyon na França, durante um evento na Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC), instituição vinculada à Organização Mundial de Saúde (OMS). A reunião, no maior centro de pesquisa sobre o câncer, foi bastante produtiva pois auxiliou e serviu como um indutor para os avanços com o projeto do doutorado, sendo que depois, logramos êxito com uma publicação científica intitulada “Caesarean sections, prenatal and postnatal conditions and childhood acute lymphoblastic leukaemia: A case-control study in the State of São Paulo, Brazil”, em renomada revista Internacional Cancer epidemiology.
Em 2018, fui convidada a participar da reunião internacional do Childhood Cancer and Leukemia International Consortium (CLIC) em Tokyo no Japão, na qual apresentei um trabalho, na condição de doutoranda, sendo acompanhada do orientador. Assevero que tive o apoio amplo da Secretaria Especial de Relações Internacionais – Serint, sobretudo para os trâmites legais, como a autorização para saída do Brasil junto a Casa Civil. Para maiores informações sobre o CLIC consultar (https://clic.iarc.who.int/about/ e https://www.clic.ngo/).
O CLIC é um Consórcio Internacional de pesquisas epidemiológicas sobre o Câncer e Leucemia infantil, criado em 2007 e compreende mais de vinte e cinco instituições de pesquisa congregando pesquisadores de diversas nacionalidades. O CLIC contribui com investigações sobre o impacto das exposições pré-natal e pós-natal nas causas do câncer infantil implicando em políticas de saúde e de prevenção, discute propostas de prevenção e tratamento subsidiando ações da IARC e OMS para a prevenção do câncer infantil no mundo.
Em 2022, com o doutorado concluído, fui convidada a participar da reunião anual do CLIC, como docente da Universidade do Estado da Bahia, pelo Dr. Logan Spencer, coordenador do CLIC e Diretor da Divisão de Epidemiologia e Pesquisa Clínica do Departamento de Pediatria, da Universidade de Minnesota, Estados Unidos. A edição de 2022, ocorreu em outubro, em Barcelona na Espanha. Uma das ideias para a minha participação na edição, seria tornar (eu como professora e a Uneb como instituição) membro efetivo do CLIC, com atuação nos projetos internacionais sobre as causas de câncer infantil na Bahia, ações coordenadas na UNEB, sendo inseridos como membros efetivos do Consórcio com direito a votos e decisões, publicações e também participação nos projetos internacionais com recursos financeiros.
A reunião foi excelente, tiveram muitas apresentações de projetos, pesquisas e discussões sobre prioridades para o enfrentamento do câncer nas diversas regiões do planeta. A cada final de tarde, tínhamos reunião para fotos, almoço em grupo, também jantar de adesão para arrecadar fundos para projetos e tratamento de crianças acometidas pelo câncer, no âmbito global.
De todas os períodos de reuniões ou estudos no exterior, o encontro em Barcelona em 2022, foi o melhor quando avalio os aspectos positivos: 1. Para a minha participação, todas as despesas da viagem foram pagas pela Universidade de Minnesota; 2. O contato e a vinculação entre instituições internacionais e pesquisadores; 3. Produção de uma publicação, em março de 2023, em coautoria com pesquisadores renomados em leucemia infantil no mundo como o Dr. Melvyn (Mel) Greaves, Diretor do Centro de Evolução e Câncer do Instituto de Pesquisa do Câncer, Londres, Grã-Bretanha GB (Divisão de Patologia Molecular), a Drª. Eleni Th. Petridou, Professora do Departamento de Higiene, Epidemiologia e Estatística Médica, da Faculdade de Medicina, Universidade Nacional Kapodistrian de Atenas, na Grécia com o artigo intitulado “The Interplay of Cesarean-Section Delivery and First-Birth Order as Risk Factors in Acute Lymphoblastic Leukemia”, no períodico internacional de alto impacto a Cancer epidemiology, biomarkers e prevention. No evento, também ocorreram a apresentação e aproximação com a Drª. Ann Olsson, pesquisadora do IARC, na França; 4. Como resultados em um encontro com a pesquisadora no Brasil, no final do ano de 2022, com possibilidades futuras de parcerias. 5. Utilização dos conhecimentos obtidos na reunião para a melhoria das nossas atividades de pesquisa no Grupo de Estudos Epidemiológicos com Ênfase nas populações da América Latina (GEEEPAL/UNEB), o que resultou nas sessões científicas com live quinzenais e em dois trabalhos com grandes destaques, em dois congressos, um nacional e outro internacional, com o status de se posicionar entre o grupo de melhores trabalhos apresentados. 6. O convite para a elaboração de um projeto com potencial financiamento estrangeiro para fazermos parte, como membro efetivo, do Consórcio Internacional e a possibilidade de intercâmbio com períodos de permanência nos Estados Unidos para os estudantes que estejam vinculados a esse futuro projeto. 7. Planejamento e elaboração de um grande projeto para o estudo das causas de câncer infantil no estado da Bahia com parcerias.
As perspectivas de formação acadêmica, potencialidades para as pesquisas, publicações e financiamento são importantes para o fortalecimento do ensino, pesquisa, extensão e internacionalização na UNEB, o que é viabilizado, sobretudo com os processos de intercâmbio internacional, mesmo que de curto período.
Muito embora, tenhamos ponderado sobre todos os aspectos positivos e exitosos construídos pela imersão nos processos de intercâmbios e movimentos de internacionalização da UNEB, assevero que, enfrentamos alguns desafios para a concretização de atividades de internacionalização como intercâmbio, participação em projetos e viagem ao exterior mesmo com todo o apoio da Serint e PPG (UNEB).
De certa forma, há uma extensa burocracia para liberar o afastamento do docente do Brasil junto a Casa Civil, sendo tal exigência difícil de atender, além do mais, há um aspecto que merece ponderação: a vinculação da liberação do professor apenas se o próprio docente puder custear a viagem, situação atualmente inviável para professores auxiliares, assistentes e adjuntos, em razão da política salarial vigente. Ademais, é importante considerar que o intercâmbio e cooperação são atividades profissionais e não de cunho pessoal.
Enfim, as exigências supracitadas afastam os docentes de oportunidades férteis de viagens, participações em encontros e dinâmicas de internacionalização da universidade, sobretudo públicas. No meu caso, só foi viável pelo financiamento de instituições Norte Americanas.
Outro aspecto a considerar, seria a oferta de cursos gratuitos de idiomas para professores, funcionários e estudantes que têm potencial ou interesse em participar de programas de cooperação internacional.
Sendo assim, nesta breve narrativa, buscamos evidenciar a importância da SERINT, como secretaria que fomenta, promove mediações em prol da construção de processos de intercambialidades, tão necessários para a construção colaborativa dos conhecimentos. Reafirmamos o quão salutar é o processo de abertura dialogal com os países além-fronteiras geofísicas posto que, na assunção de povos diversos, encontraremos ecos e ressonâncias que no endereçam ao caminho profícuo da fraternidade entre as pessoas e a busca incontornável pela produção e difusão dos conhecimentos para todos e todas.
Maria Elizângela Ramos Junqueira
Professora Adjunta, Departamento de Ciências da Vida, Campus I, Universidade do Estado da Bahia